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As demandas de Maria Alice – Reflexões sobre carreira, vazio e sucesso pessoal

Essa crônica se desenrola em duas histórias: Primeira Parte: As pretensões de Maria Maria, conforme seus critérios, era uma pessoa comum, sem grandes atributos ou…

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Essa crônica se desenrola em duas histórias:

Primeira Parte: As pretensões de Maria

Maria, conforme seus critérios, era uma pessoa comum, sem grandes atributos ou defeitos e isso, segundo ela, não era ruim…  Vivia uma vida estável e,  em sua opinião, os contratempos do cotidiano eram apenas um tempero. O fato é que tinha uma boa família, era bem sucedida, dentre outras coisas. Era uma pessoa divertida e contava com muitos amigos. O que mais poderia querer?

Justamente por isso: “O que mais poderia querer?”, em foro íntimo, ela se questionava “será que eu não quero apenas reclamar?” ou “será que eu só quero chamar atenção?”. Mas… e se não for? E se há mesmo uma pedra no sapato? Um incômodo persistente que desafia a lógica aparente?

Acrescentando alguns detalhes: Maria é dona de um pequeno negócio que, ano a ano, vem se tornando mais sólido. No entanto, sua queixa é de que poderia fazer mais, fazer melhor, que poderia e deveria ter ido mais longe. Queixa-se também de que já perdeu e continua perdendo muito tempo, sem conseguir alcançar degraus mais ambiciosos…

Qual seria o motivo que a impede? E para que deveria se esforçar mais? Qual seria o verdadeiro prazer implícito nestes degraus que ela ainda não subira e que, decepcionada consigo mesmo, a fazia se martirizar e mal dizer? Não havia uma resposta clara.

Pensava ela que talvez fossem as demandas do próprio negócio, afinal, os custos de uma empresa aumentam ano a ano e o faturamento precisa acompanhar. Claro, só estas obrigações já seriam suficientes para fazê-la ir adiante. Mas isso não preenchia sua inquietação, fazendo-a buscar respostas mais complexas: sua responsabilidade social e seu papel de cidadã exemplar em sua comunidade. Ela queria se sentir um modelo em que seus funcionários, clientes e fornecedores pudessem se espelhar.

Quem poderia dizer que não? Como não seriam razoáveis as respostas que ela mesma encontrou para justificar a necessidade de se sentir 100% produtiva? De ser alguém que, reconhecidamente, viveu uma vida e que fez a diferença? Maria é inteligente, sem dúvida, e reúne qualidades admiráveis.

Entretanto, ou justamente por isso, é que se sente apenas uma “vítima” da sorte, um acaso que o destino quis bem. Não era nada disso que ela esperava, esperava uma atuação digna de ser incontestável, uma trajetória que não deixaria dúvidas de que tenha sido ela e por ela, sua marca na história, seu indiscutível legado. E não apenas o resultado de um destino feliz.

Por que isso acontece? De onde vem esta sensação de que se está vivendo apenas uma meia vida e deixando passar a vida inteira?

Como todas as motivações vêm do inconsciente, o objetivo, portanto, é pôr alguma luz nesta escuridão que é moldada em cada um de nós desde a mais tenra idade. O que faz Maria acreditar que há uma satisfação maior a ser alcançada, um não sei o quê, que deve estar mais à frente? É de se suspeitar que, quando conseguir chegar lá, a satisfação plena vai estar novamente acenando, só que, desta vez, um pouco mais adiante.

Segunda Parte: Alice, desafios e promessas

Foi excitante ouvir pela primeira vez e com certo ar de convocação: “Se passar de ano, vamos passear no parquinho”. Alice achou o desafio divertido e, mesmo com pouca idade, supôs que se superasse a expectativa se tornaria ainda mais importante e admirada pelos seus pais. E não é assim que funciona? Fazemos certo gracejo quando pequenos, as pessoas riem fazendo-nos sentir o centro do universo. Não demora a tentar repetir a dose só que já não funciona mais.

Só funcionou pela primeira vez porque era inédito e espontâneo. Demoramos a descobrir o que é que não se está fazendo “direito”, para não receber novamente a mesma atenção. Alice, também demorou a descobrir que o desafio proposto a ela (passar de ano), tinha também a mesma condição, ou seja, para se sentir novamente importante era necessário um desafio maior.

Foi ótimo passear no parquinho. Mas, o que viria a seguir parecia-lhe ainda mais incrível: “Alice, se conseguir notas mais altas, você vai ganhar uma boneca”. Se a média a ser alcançada era sete, Alice ia alcançá-la. E assim foi feito. O parquinho, que foi tão empolgante no ano passado, não recebeu mais a visita de Alice, deixou de ser interessante. Simplesmente se transformou numa lembrança boa que precisava ser repetida novamente a partir do êxito do novo desafio. E foi isso que aconteceu. Quando recebeu uma caixa embrulhada em papel vermelho, não era preciso visão de raios-X, não era uma surpresa, era a fantástica boneca que ela esperou o ano inteiro. Foram férias incríveis com sua boneca, até que as férias passaram…

Um novo ano letivo iria começar e não tardou a ouvir sua mais nova exigência: “Alice, se passar em primeiro lugar da turma ganha uma boneca muito mais bacana, ela é maior e ainda anda e fala…” Não precisou terminar a frase, a boneca incrível do ano passado foi esquecida num canto. O que passava a ser espetacular neste momento era a boneca enorme que andava e falava e, é lógico que Alice faria de tudo para consegui-la.

Como se pode ver, essa história vai se repetindo em diversas situações da vida, sempre prometendo um prazer muito maior, com a condição que só pode ser alcançado com um novo desafio. Nem precisa dizer que o desafio deixa de ser difícil, para se tornar alguma coisa viciante.

Essas duas histórias, na verdade fazem parte de uma só pessoa: Maria Alice

Ela, tanto quanto nós, somos alimentados por demandas e promessas pra lá de motivadoras, que nos incentivam a alcançar os objetivos (parquinho, boneca, boneca que fala…).

Por outro lado, o efeito colateral é que ficamos viciados em alcançar um “prazer maior”, contanto que façamos algo ainda mais épico. Desta forma se cria um novo efeito que é a sensação de que “ainda não fiz tudo que podia”, “há tanto mais para conquistar” como na primeira história. Como se trata de um vazio interior, isso não tem fim. Não há o que se possa conquistar para se sentir realizado, não há, consequentemente, um momento de desfrutar o ganho.

Funciona assim: estamos sempre esperando alcançar o próximo passo, o nível mais alto que tem a promessa de um prazer pleno, que nunca chega. Como se desenrola este nó?

Ainda não sei. Mas um início é saber uma das possibilidades que o fazem existir.

Bem vinda à turma, Maria Alice.

Crônica feita a partir de discussões realizados nos grupos e cursos do psicanalista Marcos de Santis no Instituto Humanae.

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Por Vinicius Moura (@primovini)

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