As doenças da beleza

Por Olga de Mello, para o Valor Econômico – 16/02/2007 “Estou de dieta desde que completei 19 anos: isso significa que, basicamente, passo fome há…

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Por Olga de Mello, para o Valor Econômico – 16/02/2007

foto16cul-hepsburn-d19.jpg“Estou de dieta desde que completei 19 anos: isso significa que, basicamente, passo fome há uma década (.) E fiz duas cirurgias dolorosas para chegar a esta aparência.” A fala de Anna, a protagonista da comédia romântica “Notting Hill”, bem poderia ser de sua intérprete, a atriz Julia Roberts. Ou de qualquer estrela de Hollywood, onde é necessário aliar talento dramático a um padrão de forma física que por vezes parece melhor através das lentes do cinema do que no mundo real. Se os invejados corpos masculinos de hoje são semelhantes aos das estátuas gregas da Antiguidade, as formas femininas ideais vêm se reduzindo drasticamente nos últimos 40 anos.

A elegante Audrey Hepburn, que conjugava um rosto encantador com um corpo ossudo, bem no estilo das modelos do Terceiro Milênio, era encarada com ceticismo no planeta que privilegiava a exuberância de Marilyn Monroe. Audrey surgiu antes da modelo Twiggy, que, na Londres da década de 60, apontava para um novo tipo de mulher, bem mais magra do que as jovens ocidentais até então. Em um mundo que consome muito mais gordura do que nos anos 1960, todos os sacrifícios são válidos por um corpo magro. Até o jejum doentio que leva à morte.

Em nome de um ideal estético dificilmente atingível, boa parte das brasileiras submete-se a sacrifícios físicos – por meio do jejum, pesadas cargas de exercícios ou cirurgias plásticas. A despeito dos cada vez mais freqüentes casos de morte por anorexia ou por falha médica, a busca pela beleza e a luta contra os efeitos do envelhecimento continuam. A uma das vítimas dessa batalha – Anita Mantuano – foi dedicado o livro “O Intolerável Peso da Feiúra” (Editora PUC-Rio), da psicóloga Joana de Vilhena Novaes, que há dez anos estuda o tema e conclui: se a obesidade é o principal fator de exclusão social atualmente, a repulsa que os obesos causam está baseada no papel de trangressores que eles representam perante a ditadura da beleza.

Doutora em Psicologia, Joana coordena o Núcleo de Doenças da Beleza, ligado à clínica social da PUC-Rio, que oferece atendimento psicológico e nutricional a mulheres com distúrbios de alimentação e peso. No seu livro, ela relata as entrevistas de algumas delas, colhidas em academias de ginástica, clínicas de estética e hospitais públicos que fazem cirurgia de redução de estômago.

“A necessidade de afirmação através da magreza é comum a mulheres de todas as classes sociais e com qualquer nível de escolaridade. Anita era bem-sucedida tanto no campo pessoal como no profissional. Morreu por complicações após uma cirurgia plástica, aos 46 anos”, diz Joana, cujas pesquisas iniciais tinham como base sua curiosidade a respeito das cariocas que freqüentavam academias e a obsessão que têm em relação à beleza.

“Muitas reclamam do desconforto que os exercícios causam, mas vêem na ginástica um sacrifício necessário. Não hesitam em recorrer a cirurgias para permanecer dentro dos padrões. Quem não se submete a isso é considerada destituída de caráter até pelos médicos, que tratam da anorexia como doença, mas consideram a obesidade, em muitos casos, falta de força de vontade.”

Não é de hoje que pesquisadores se debruçam sobre o controle do corpo feminino como forma de dominação social. O helenista britânico Simon Goldhill afirma em “Amor, Sexo e Tragédia – Como o Mundo Antigo Influencia Nossas Vidas” (Zahar) que a Grécia Antiga via uma mulher como “sensual, bela, saudável”, mas seu corpo estava subjugado à regulamentação dos homens, que, por mais que admirassem as curvas femininas, valorizavam a musculatura masculina, exposta em estátuas nuas. A idade contemporânea aparentemente modifica tais valores, já que desde a 2ª Guerra, segundo Goldhill, cada vez mais o corpo feminino é mostrado “em um strip-tease contínuo perante um público voyeur”.

As feministas americanas que se insurgiram contra a exposição de mulheres nuas na década de 60 se preocuparam, 30 anos depois, em denunciar as mudanças que aquelas formas estavam sofrendo. Em “O Mito da Beleza” (Rocco), a americana Naomi Wolf responsabilizava a indústria da beleza, que movimenta milhões em cosméticos e cirurgias plásticas, por aprisionar as mulheres em parâmetros estéticos impossíveis de ser cumpridos. Ao mesmo tempo, advertia para o crescimento de casos de bulimia e anorexia entre as universitárias nos Estados Unidos, que, mesmo magras, diziam querer perder de 3 a 25 quilos.

A preocupação em apagar os traços que a natureza e a maternidade deixam no corpo levou o Brasil ao segundo posto entre os países campeões em cirurgias estéticas e a tornar-se um dos maiores consumidores de inibidores de apetite no mundo, diz Joana Vilhena Novais: “Já se diz há muito tempo que a brasileira não envelhece; fica loura”, brinca a psicóloga, que espera ver no país o surgimento de uma ação afirmativa dirigida aos gordos. “As doenças provocadas pela obesidade são graves, mas o alijamento social dos obesos é um sinal alarmante do repúdio à velhice. Essa paranóia em torno da beleza guarda semelhanças com o ideal estético nazista”, afirma Joana, que participou de debates na semana de moda carioca, o Fashion Rio, que neste ano discutiu os sacrifícios à saúde em prol da beleza.

A rejeição à obesidade não se limita ao corpo humano. Em 1997, a indústria de cosméticos inglesa Body Shop lançou uma campanha baseada em Ruby, uma boneca que representaria as mulheres reais. De quadris largos, coxas e braços grossos, Ruby aparecia em pôsteres com a frase “Há 3 bilhões de mulheres no mundo que não parecem top models; apenas oito parecem”. A Mattel, fabricante da Barbie, entrou com uma ação contra a Body, pedindo a retirada dos pôsteres das lojas americanas, pois Ruby era um insulto a Barbie.

Se uma boneca causou tanta repulsa, o que falar de mulheres de carne e osso que não se adequam aos padrões correntes? Não apenas são excluídas socialmente, mas preteridas profissionalmente. Segundo a economista Ruth Helena Dweck, da Universidade Federal Fluminense, refletindo uma tendência registrada nos EUA desde os anos 1980, o mercado de trabalho repele quem está acima do peso. “É um novo fator para a discriminação, que antes se dava por sexo, cor de pele e idade. Boa aparência, atualmente, é ser magro.”

Coordenadora de várias pesquisas sobre a indústria da beleza, Ruth observa que o único setor a ter crescimento considerável durante a crise econômica de 1985 a 1995 foi o de serviços de embelezamento, incluindo aí cabeleireiros, manicures, clínicas de estética e academias de ginástica. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, das mais de 600 mil intervenções realizadas em 2004, 59% foram estéticas e 41%, reparadoras. A maior procura era por lipoaspiração, que chegava a 54% das cirurgias, seguidas por implantes de silicone.

Setenta milhões de brasileiros, quase 40% da população, estão acima do peso, mas só 1 milhão são obesos mórbidos. “A discriminação que sofrem é cruel. Deixam de ir à praia porque os amigos não gostam de ser vistos com alguém disforme, passam a viver isolados. O gordo agride a sociedade por não se sujeitar aos parâmetros impostos como corretos. Para evitar esses choques, as pessoas cometem loucuras”, diz a psicóloga Joana, lembrando que uma mulher que entrevistou, de 48 anos, disse, referindo-se à ingestão contínua de anfetaminas e medicamentos para queimar calorias: “Sei que vou morrer mais cedo, mas tudo bem. Até lá eu vivo magra.”

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