BBB: O 9º. Pecado Capital / Parte 2

Madame Moitessier, 1856 / Cena do Big Brother Brasil 9, 2009 Recentemente, senti uma necessidade enorme de escrever algo, mas a falta de tempo me…

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Madame Moitessier, 1856 / Cena do Big Brother Brasil 9, 2009

Recentemente, senti uma necessidade enorme de escrever algo, mas a falta de tempo me permitiu apenas um esboço. A temática escolhida foi o reality show Big Brother Brasil. O título do artigo foi BBB: o 9º. Pecado Capital parte 1, justamente porque revisitaria o tema nessa, que será a parte 2.

Como fui breve na minha reflexão, certamente devo ter causado um certo desconforto no leitor, que pode não ter compreendido exatamente o teor da minha reflexão. Então, agora com calma, ainda que sem a certeza de que chegarei a uma posição conclusiva, retorno à temática na tentativa de evidenciar minha antipatia à vitimização social subjacente a muitas criticas à contemporaneidade.

Minha reflexão inicial recaiu sobre a natureza humana e sobre a impossibilidade de nos furtarmos dos pecados capitais. Sempre existirão regras, mas sempre seremos pecadores, é nisso que consiste nossa humanidade. È sob essa ótica que a psicanálise freudiana retrata a incompatibilidade entre a existência instintiva e cultural do individuo e num tom excessivamente pessimista, descarta a possibilidade do bem estar da civilização.

Como já dito no artigo anterior, o que mais se sabe de Freud é a forma como mapeou a dinâmica psíquica. Nela o inconsciente e o desejo de satisfação imediata é administrado pela consciência que se estrutura a partir da normatividade socialmente sancionada. É da forma como se administra essas instâncias que a conduta humana se desvela comunicando-se através do vestuário, do que se consome, da relação com as tecnologias e, sobretudo, das relações interpessoais .

Independentemente de seu alvo (objeto, pessoa, idéia) o desejo não é deliberado, é atemporal, é  ahistórico; independe de contextualizações político-econômicas e sociais;  desconhece padrões culturais, ignora por completo o âmbito dos valores estéticos e comportamentais, não pertence ao âmbito da razão.

Numa posição diametralmente oposta estão os valores: feio, bonito, bom gosto, mau gosto, kitsch, vanguarda, decência, indecência, certo, errado, erudito, vulgar  – para citar apenas alguns. Valores são produções sociais e como tal não há como negarmos sua historicidade.

Portanto, o conflito entre a irracionalidade instintiva e a instância valorativa é uma certeza, sobretudo no contexto da psicanálise freudiana.  Mas não podemos esquecer que Freud é filho da modernidade racionalizadora, castradora, e nós, pelo menos quero acreditar, somos pós-modernos, exorcizamos a hipocrisia do privado, do escondido. No século XIX prevalecia a moral burguesa, casta, cristã, pudica, repressiva, hipócrita. Nessa época,

Os sintomas de obscenidade […]  de exploração sexual ou de exploração do trabalho, operavam sempre no oculto, eram marginalizadas aos subterrâneos da vida social. Os dispositivos ideológicos de manutenção das coisas como estavam, eram a opressão social, a repressão psíquica e o trabalho ideológico de recondução da libido para fins de trabalho ou exploração industrial […] (LIMA, 2004, grifo nosso).

Hoje, não há como negar, a conduta humana se vinga, “[…] na sociedade pós-moderna, […]  operam mecanismos de promoção da visibilidade do que era privado, como se decretasse o fim do segredo ou o fim da intimidade.” (LIMA, 2004). Para alguns, imoralidade, involução, disparate coletivo, para outros, exposição catártica. Penso que reality show pode ser interpretado como catarse, salvo as devidas proporções.

Sob a ótica individual e comportamental,  na casa se mostra o corpo, se explora o sexo, se seduz, se insinua, se expõe fragilidades, fraquezas, desejos. No que tange á dinâmica mercadológica também não há mais segredos, nada é subliminar, mostra-se da forma mais clara e explicita a lógica capitalista de um modo impensável pelo próprio Marx. Não há nada velado, apenas editado. Os dispositivos de manutenção do stablischiment não operam mais às escondidas e não tem mais o poder de reprimir ou reconduzir a libido. Ainda que relativo, houve um progresso não há como negar.

Considerando o arcaísmo da vitimização social que prega que o homem é escravo do mercado, vítima da moda, alienado pela fragmentação da realidade midiática, escravo da tecnologia, vejo um progresso relativo em um momento em que tudo é escancarado, mostrado, de uma forma deliciosamente didática.

Pode-se argumentar que ao tudo pode subjaz a vitória do espetáculo, onde homens enjaulados e mulheres pouco vestidas dão o tom.  Mas, homens enjaulados por opção, mulheres desnudas por opção, casais que se unem por opção, mulheres que se expõem por opção, e telespectadores que vêem tudo isso também por opção.

Muitos intelectuais ainda insistem em defender que o superego pós-moderno nos mantém na posição de rebanhos bem domesticados; “manda você sentir prazer naquilo que você é obrigado a fazer” (LIMA, 2004). Nada mais obsoleto.

Penso que em reality shows como o BBB, temos indícios importantes de pós-modernidade e, sobretudo, da panacéia de algumas de nossas frustrações; temos que aprender a perceber conquistas importantes ao invés de nos mantermos engessados em discursos ortodoxos prontos há muito. Creio que várias banalidades do cotidiano, se analisadas sob uma ótica fenomenológica, multidimensional  – podem instigar a reflexividade. Hoje as pessoas se expõem sem medo, as mercadorias são anunciadas sem parcimônia, o que pode ser uma brecha para se repensar o mal estar e a coisificação da sociedade defendidas respectivamente por Sigmund Freud e Karl Marx.

É sob esse prisma que penso que o indivíduo pós-moderno tem menos propensão aos efeitos colaterais da repressão social. Hoje é permitido: o individuo é gestor de seus desejos, é ele que normativiza sua sexualidade, escolhe suas mercadorias. A contemporaneidade pode ser compreendida sob infinitas possibilidades e um olhar atento à supostas obviedades pode nos dar respostas surpreendentes.

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Cena do Big Brother Brasil 9, 2009

Para finalizar sejamos didáticos, assistir ao BBB pode ser um pecado capital dependendo da ótica do telespectador, mas como todo pecado só o é em função do prazer da subversão, subvertemos! Talvez assim consigamos ver algo sobre nós mesmos e sobre nossas construções sociais e talvez assim passemos a nos responsabilizar por nossas escolhas, inclusive por nossos canais.

Do ponto de vista tecnológico, o programa reforça algo que já sabemos, as câmeras estão por toda a parte. Mas, se estão é porque o homem ainda não se humanizou o suficiente, ou, não introjetou princípios básicos de respeito ao outro, o que lhe garantiria liberdade plena. Meras normas morais ou legais serão sempre insuficientes. Imagens complementam visualmente ora a beleza ora a fealdade contemporânea. Então, que sejam mostradas.

Considerando o aspecto do consumo, o merchandising é tão explícito, que acho difícil alguém se sentir induzido a comprar, não há apelos velados, é tão explicito o caráter mercadológico do programa que penso, dificilmente alguém o qualificaria como alienante, seria subestimar demais os milhões de expectadores.

Em se tratando da moda como um diferenciador importante entre os competidores, também percebe-se claramente através das cores, dos cortes, do comprimento, dos decotes, das sungas, que a roupa é um coadjuvante importante no jogo. Mas na vida não tem sido assim? Desde o ambiente corporativo ao mais informal, comunica-se pela roupa. E que o diga o marketing pessoal.

Em suma, ao adjetivar o BBB como pecado, meu intento foi simplesmente exaltar a temática da redenção. Do ponto de vista comportamental, talvez o programa seja bastante elucidativo, pois mostra como nenhum outro, uma das marcas da pós-modernidade: a obsolescência (não importa muito se programada) de análises unidimensionais e a inexperiência que temos ao usufruir de um pouco mais de liberdade.

Leia também BBB: O 9º. Pecado Capital – Parte 1.

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Mulheres na Era Vitoriana / Cena do Big Brother Brasil 9, 2009

Abraço a todos,

Ângela Rodrigues.

Ângela Rodrigues é graduada e mestre em Filosofia pela Unesp. Professora universitária há 8 anos na área de pesquisa científica em vários cursos superiores e pós-graduação dos quais se destacam Moda, Arquitetura e Urbanismo, Ciência da Computação entre outros. Além de ministrar aulas de métodos de pesquisa, foi orientadora de diversas monografias de final de curso de Moda. Ângela foi também co-autora de dois artigos científicos apresentados e publicados nos Anais do Colóquio de Moda da FEEVALE/RS em 2008. E mantém o blog Corpocomente no qual são postadas informações sobre moda, comportamento, fotografia, cinema e culinária. E-mail:[email protected]

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