Identidade na moda: a marca pode nos trair

Reflexão sobre o post Polícia Civil apreende mais de 10 toneladas de roupas com marcas falsificadas em Goiás; 13 são presos

Acho interessante como a chamada da notícia e seu conteúdo manifestam reações diferentes em cada um. A cadeia de significantes nos leva até onde a informação nos toca mais profundamente. Neste caso: mercadorias falsificadas, crime, drogas, tráfico, mortes de famílias e criancinhas. É sempre muito difícil fazer um julgamento a partir da moral particular para uma questão ética (que afeta a todos).

Antes da falsificação das mercadorias encontradas, elas foram produzidas – o tecido foi comprado, cortado, modelado, costurado, para finalmente as etiquetas de marcas conhecidas serem colocadas. O que certamente gerou emprego, recursos financeiros que sustentaram famílias e criancinhas.

Este fato me faz refletir sobre duas questões que suscitaram durante minha leitura da matéria e seus comentários:

1. Todos que participaram da cadeia de produção destas peças são criminosos? Ex.: modelista, costureira, etc. E os consumidores, também podem ser considerados tão criminosos quanto os que elaboraram a trama da falsificação, incluindo a escolha das marcas?
2. As peças (jeans e malhas) que foram produzidas e apreendidas não deixam de ser vestuários que abrigam o corpo de qualquer um. Como a marca, que revela seu valor agregado no preço da peça, serve de entorpecente que incita a falsificação e o tráfico criminoso.

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Os fenômenos sociais são muito complexos para analisarmos a partir de nossa moral particular. Por um lado temos a indústria da moda que é a segunda maior empregadora no Brasil, do outro lado, grande parte desta cadeia ainda precisa viver na informalidade para viabilizar seus negócios.

Uma humilde costureira (com uma oficina na periferia de São Paulo, que emprega muita gente sem registro na carteira e vende sem nota para que seu negócio seja possível), pode ficar revoltada ao saber em uma reunião, na comunidade ou na igreja, da quantidade de desvio de dinheiro público (peculato) ou sonegação de impostos. Quando questionada sobre seu negócio, ela certamente dirá: “Mas no meu caso é diferente, eu não tenho condições…..”.

De fato a carga tributária e a burocracia para abrir, regularizar e manter uma empresa no Brasil não é sustentável e inviabiliza muitos negócios já no primeiro ano de sua existência. Entretanto, o fato da carga tributária brasileira ser inaceitável e de não ser revertida em benefícios para os contribuintes, não justifica qualquer ação criminosa. É difícil entender e conviver com estas questões no âmbito pessoal e social. Sem querer polemizar, será que a pessoa que fuma um … ou toma um exctase na boate é quem está matando as famílias e as criancinhas? Quem são os verdadeiros criminosos?

Se a indústria em questão fosse a alimentícia, farmacêutica ou a do cigarro, talvez nossas reações fossem de maior indignação, pois tais falsificações podem impactar diretamente na saúde pública. No caso da indústria da moda, tem o oportunismo dos produtores falsários que se aproveitam através do uso inapropriado da marca para ganhar todos os benefícios que foram resultados de significativos investimentos intelectual e financeiro para a construção e reconhecimento da mesma.

O fato é que neste tempo de caça às bruxas no mercado informal de falsificados e contrabando, o consumidor que compra algum produto de marca reconhecida desta natureza, com o objetivo de comunicar uma identidade e pertencimento social, pode estar selando em si mesmo sua conivência e cumplicidade com o crime. Neste caso a marca falsificada o transporta de um lugar fashion e de pertencimento, para um lugar de desconfiança que resulta em exclusão e isolamento.

Carlos A. Silva

Carlos Alberto Alves e Silva: Psicanalista e economista, com pós-graduação em Administração pela USP e Marketing pela ESPM. Tem MBA em Gestão Internacional pela Thunderbird School of Global Management‚ Arizona‚ USA e formação nas áreas de Psicologia e Filosofia.

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