O diferente e o diferenciado

Uma coisa que me impressionou quando visitei Tóquio é que cada pessoa parecia buscar um estilo próprio, ao contrário de nós ocidentais que buscamos um estilo meio padronizado. Padronizado mas nem tanto, porque também não queremos ser iguais aos outros. Mas também não queremos ser diferentes… Confuso.

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A chave para entender veio através de um artigo do Sérgio Rodrigues, do Nomínimo, que de tão bom reproduzo abaixo. Leia o artigo completo, porque é brilhante. É uma lição de antropologia e de entendimento dos complexos mecanismos a nossa cultura ocidental. Se vc não entender a diferença entre diferente e diferenciado, vc não entendeu nada!

A diferença
por Sergio Rodrigues

O marketing venceu mais uma: está na última moda dizer que algo ou alguém que se destaque da multidão por suas qualidades extraordinárias é diferenciado. De repente, todo mundo quer ser diferenciado, embora, curiosamente, ninguém queira ser diferente. Diferenciar diferente e diferenciado tornou-se uma habilidade social básica, que a maioria de nós exerce de forma intuitiva, sem pensar. Se formos pensar, porém, vamos descobrir que a diferença entre diferente e diferenciado pressupõe valores que boa parte de nós teria vergonha de assumir.

Todo mundo sabe que Ronaldinho Gaúcho é um jogador diferenciado, não sabe? Isto é, melhor do que os outros, genial. Da mesma forma, ninguém tem dúvida quando se anuncia que o atendimento prometido pelo gerente daquele banco é diferenciado: quer dizer que não se confunde com o tratamento-padrão dispensado à massa dos clientes otários, inclui cafezinho, água gelada e, quem sabe, dicas de investimento vazadas diretamente da mesa de operações do Banco Central. O privilégio parece apenas natural porque também nós somos, a nossos próprios olhos, diferenciados. Aliás, diferenciadíssimos.

Já diferente, bem, é uma história inteiramente diferente. Desde que os primeiros hominídeos se juntaram numa tribo e decretaram que míopes e carecas não entravam, a diferença é tudo aquilo que grupos sociais hegemônicos usam para excluir ou subjugar minorias – e ao mesmo tempo reforçar sua identidade. Localizado no corpo ou na alma, real ou imaginário, o anátema da diferença justifica lógicas de dominação e até de extermínio. Diferentes foram, através do tempo, cristãos no Império Romano, muçulmanos em países cristãos, negros no Novo Mundo, judeus em quase todo lugar. Ah, sim, e loucos e homossexuais em qualquer tempo.

Ser diferente é o fim da picada, é ter negado o direito à humanidade ou pelo menos à humanidade plena. Esse mecanismo de psicologia das multidões que deu em genocídios é o mesmo – a distinção é de grau, não de natureza – que discrimina os pequenos desviantes, da menina do colégio que dá para qualquer um ao gorducho de óculos que em vez de jogar bola fica lendo Dostoiévski, do gaguinho albino que vende to-to-tomates na feira àquela bicha louca do quinto andar.

O preço da diferença é alto. Não é de espantar que estejamos todos cada vez mais iguais, fazendo fila para comprar um par do Nike Shox prateado que custa uma fortuna – um tênis, imagine, que os marqueteiros garantem ter sido baseado no design do Porsche de James Dean, um produto realmente diferenciado! Também não espanta que países como Quênia e Uganda tenham sido obrigados a proibir a venda de cremes e sabonetes embranquecedores, tamanha a febre de consumo entre as mulheres africanas, assoladas por um grave surto de bolhas e urticárias. Triste, não? No espelho da globalização, até o etnicamente igual fica diferente – diferente de algum distante modelo ideal.

Até aí, tudo cruel mas simples, preto e branco. A trama se adensa quando nos damos conta de um paradoxo: ao mesmo tempo que queremos ser iguais, esmagando o diferente sem dó sob a sola aerada de nossos Nikes Shox, valorizamos a individualidade, o único, o que nos eleve acima da massa ignara e mal paga. Contradição insolúvel?

É aí que entra o diferenciado. O diferenciado é o melhor dos iguais, o diferente que deu certo – o diferente que, sendo um de nós, ganha mais dinheiro do que nós. Ninguém seria louco de dizer que a bicha do quinto andar é um cara diferenciado. Mas, se se mudar para Paris, virar estilista da Chanel e arrasar com uma coleção prêt-à-porter, na próxima vez que vier ao Brasil vai ter convite para as melhores festas, desfilará entre queixos caídos: “Que talento diferenciado!”, dirão. Faz a maior diferença.
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