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Você tem consciência da realidade absoluta? Você projeta sua felicidade em outra pessoa?

Toda sexta-feira à noite em nosso núcleo de Yôga Antigo em São Paulo, acontece o Círculo de Leitura, grupo composto por instrutores e alunos graduados…

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Toda sexta-feira à noite em nosso núcleo de Yôga Antigo em São Paulo, acontece o Círculo de Leitura, grupo composto por instrutores e alunos graduados que se reúnem para ler algum shástra (escritura ou tratado) sobre filosofia ancestral. Ao longo de todo este ano de 2009, estivemos estudando a obra de Patáñjalí, sábio hindu que provavelmente tenha passado por estas terras cerca de trezentos anos antes de Cristo.

No segundo capítulo da obra em questão, que explana sobre o caminho da prática, encontra-se no aforismo III, cinco obstáculos que atrapalhariam a evolução de um yôgin ou de qualquer pessoa que busque obter conhecimento real por meio de compreensão metafísica. O principal destes klêshas (obstáculos) é chamado em sânscrito de avidyá, que pode ser traduzido como incultura, falta de conhecimento ou ausência de consciência. No entanto é justamente neste ponto que o assunto se torna um pouco complicado a um leigo no assunto.

No Yôga e no Sámkhya (filosofia teórica-especulativa com caráter soteriológico), o não conhecimento, a ignorância não podem ser compreendidos no sentido literal, intelectual ou cultural. São características que neste caso especificamente, não competem à vida profana do indivíduo e sim à percepção subjetiva “real” de toda sua existência e do mundo fenomênico ao seu redor. Para melhor entendimento, vamos analisar o quinto sútra deste mesmo capítulo, na tradução desta obra pelo Mestre DeRose no século passado: a incultura (avidyá) consiste em supor perenidade no perecível, pureza no impuro, felicidade na dor, ser no não-ser. Huumm ok, mas vamos voltar a falar português, né?!

Patanjali
Imagem do sábio Patáñjalí – Ekadanta YogaShala

Quando nos identificamos com aquilo que não reflete nossa verdadeira identidade, estamos imersos na ausência de consciência metafísica. A humanidade toda hoje sofre imensamente quando seu corpo físico começa a envelhecer, pois se identificou a tal ponto com ele que acha que realmente o é . Mas será que quando nossos corpos morrem também morremos? Tive um avô que teve uma das pernas amputadas, será que ele não continuou sendo ele próprio? Quando vemos os reflexos de nossos corpos nos brilhantes espelhos de nossas expectativas, narcisistas que somos, achamos que aqueles corpos decadentes somos nós em toda nossa essência e, quando começamos a enxergar rugas ou a queda de cabelos, nos desesperamos, pois estamos enfatizando o obstáculo citado por Pátañjali, o não conhecimento verdadeiro das coisas, ou como diz o próprio sútra, supondo, neste caso, perenidade no perecível.

O que você faz quando sente dor, seja ela física ou emocional? Prestamos atenção a ela, não é mesmo? E com isso, a fortalecemos, a alimentamos e nos vemos nela a tal ponto de achar que somos aquela dor. Tentarei por outro caminho: durante as minhas práticas de Yôga Antigo, quando estou em ásana (técnica orgânica) e meu corpo começa a reclamar o cansaço e a eventual “queimação” da permanência mais longa na posição, imediatamente, tento perceber que não sou aquela dor (obviamente que a continuarei sentindo), sou algo além dela, posso transcendê-la sem causar identificação absoluta, é como se eu estivesse sentado, sorrindo distante e assistindo da platéia àquela cena.

asanas em dupla
Ásanas em dupla – imagem do site Uni-Yoga

Vamos a outro exemplo prático de não conhecimento: porque projetamos tanto a felicidade na figura de nossos amores? Na escola que dirijo, é muitíssimo comum acontecer de um aluno que até então estava solteiro, começar a namorar, bem, até aí, perfeito. No entanto, este aluno que estava sempre presente e participava de tudo, desaparece! Bom, vamos dar um desconto, começo de relacionamento, aquela coisa pela qual todos nós já passamos e sentimos… Mas é daí pra frente que mora a ausência de consciência e é perfeitamente detectável pelos mais atentos: ambos (o casal) se fundem em uma só pessoa, começam a ir a lugares somente se a outra parte for, deixam de frequentar seus próprios amigos, perdem suas individualidades, deixam de ter vida própria para só terem a conjugal, fecham-se no seu mundinho cor de rosa e beijos e abraços, adeus mundo exterior!

Em minha opinião é justamente aí que se desenha o começo do fim de um saudável relacionamento e do crescimento dos indivíduos como pessoas. Por que isso acontece? Antes de mais nada, para não parecer antipático, friso que o amor é a coisa mais linda que poderíamos sentir por outra pessoa, pelos animais, pelas flores, montanhas, por tudo e todos. Nada é mais nobre neste castigado planeta do que esse sentimento quando lhe é sincero. Nada mais romântico de que um casal apaixonado que se cuida e doa. No entanto, nesse afã da busca pela felicidade eterna e pela presença da insatisfação da imensa maioria com outros aspectos de suas vidas, projetamos toda nossa suposta felicidade na outra pessoa; tudo só é bom se ela estiver lá, sem ela não sou nada (o que era você até encontrá-la?) e quando algo neste meio do caminho dá errado, sua superficial idéia de felicidade sucumbe na próxima gota de chuva que escorre pelas calhas da casa que um dia foi bela e que agora desmorona, levando consigo vãs lembranças de outrora que julgávamos ser nosso estado de alegria infinita.

Nós sofremos tanto neste mundo porque estamos lendo as invisíveis escrituras do universo, do avesso. Compreendemos equivocadamente tudo e a todos. Olhe a sua volta, nada é o que parece ser.
Precisamos de cultura objetiva e subjetiva para não mergulhar nos deleites da ignorância metafísica. Abramos os olhos, coração e mente. Abramos os chakras para a busca da emancipação dos grilhões que nos acorrentam na mais perfeita falta de conhecimento, pois certamente este tal de avidyá nos estupidifica da mesma forma que nos torna mortais.

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Imagem do site Universo Yoga

Por Fábio Euksuzian

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