A Rhodia e o seu papel na consolidação da moda nacional

Com tecidos inovadores e estampas que exalavam a brasilidade, conheça a história da empresa Rhodia no país e o seu papel na moda nacional

A história da empresa francesa Rhodia está completamente ligada à criação e consolidação da moda brasileira. Afinal, enquanto a Rhodia buscava promover produtos que tivessem saída no Brasil, o país vivia a ânsia de moldar uma identidade nacional na moda. Em seguida, conheça melhor essa história!

Qual a história da Rhodia no Brasil?

 

Mailú, Mila e Lilian com peças criadas por Alceu Penna para o desfile-show Rio 400 anos, em 1964. Crédito: Rhodia Divulgação. Fonte: Fonte SãoPauloSão.

 

A história da Rhodia no Brasil começou em19 de dezembro de 1919. Foi então que a belga Societé Chimique des Usines du Rhône formalizou, na sede do consulado brasileiro em Paris, na França, a criação da Companhia Chimica Rhodia Brasileira.

Primeiramente, o objetivo era construir uma fábrica no Brasil para produzir o lança-perfume. Lançado no final do século XIX, esse produto chegava aqui por intermédio de importadores. Ele então fazia um enorme sucesso nos carnavais brasileiros desde ao menos 1907.

Como resultado, em 1909 a importação já atingia 630 mil unidades!

 

Publicidade do lança-perfume da Rhodia. Fonte: Revista Continente.

 

A construção da primeira fábrica da Rhodia teve início em fevereiro de 1920. Foi situada em um terreno de 44 mil metros quadrados entre o Rio Tamanduateí e a Estrada de Ferro da São Paulo Railway Company – que ligava o Porto de Santos a Jundiaí (SP), hoje município de Santo André.

A produção da empresa começou em 1921, com as primeiras linhas de cloreto de etila, éter e ácido acético. Assim, em 1922 os foliões já apreciavam o Carnaval com o lança-perfume feito no Brasil.

Além disso, em 1924 a empresa iniciou a fabricação de seus primeiros produtos farmacêuticos.

 

 

A Rhodia e a indústria têxtil

 

Posteriormente, em 1929, a Rhodia estabeleceu a Companhia Brasileira de Sedas Rhodiaseta. Desde então, iniciou as suas atividades no setor têxtil. O seu produto inovador era o fio de acetato de celulose. Ou seja, de maneira ousada e pioneira, a empresa passava a oferecer fios artificiais num mercado que, à época, contava apenas com fios naturais – principalmente o algodão.

A fábrica entrou em operação em 1931, com o seu produto que foi chamado de “seda artificial”. Esse foi o embrião da atual Unidade Têxtil de Santo André.

Contudo, a novidade demorou para ter uma boa aceitação no mercado. Seja como for, a Rhodia acreditava no seu produto e estava decidida a iniciar uma nova era no setor têxtil.

 

Publicidade da Valisère na Revista O Cruzeiro, de novembro de 1941. Fonte: Pinterest / Valisere Lengerie.

 

Nesse sentido, a empresa não demorou a dar o seguinte passo. Com o novo tecido, em 1935 a empresa passou a produzir lingeries com a marca Valisère, que pela primeira se instalava fora da França.

Acima de tudo, a grife francesa de lingerie foi decisiva para desbravar o mercado do fio de acetato, tendo feito parte da Rhodia até 1986 – quando foi vendida.

 

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A Rhodia e a identidade brasileira na moda

 

Mesmo com a sua introdução nesse mercado, a empresa apenas começou a ter mais influência na moda brasileira a partir da década de 1950. Afinal, a Rhodia seguiu o crescimento da indústria têxtil no país, impulsionado pela criação de importantes casas de moda, ateliês, artistas e estilistas nacionais.

Assim, superando as décadas anteriores de crise e guerras, os anos 50 vieram com um clima político e econômico favorável. Como resultado, os novos tempos foram sentidos a partir do grande desenvolvimento industrial inspirado por tendências nacionalistas.

 

Publicidade da pareceria da Fundação Iberê e da Rhodia. Fonte: Facebook Alceu Penna.

 

Para o setor da moda em geral, a década de 50 foi marcada pela ascensão de importantes boutiques e renomados estilistas internacionais. Entre eles, por exemplo, Christian Dior (1905-1957), Coco Chanel (1883-1971) e Cristóbal Balenciaga (1895-1972) foram uma grande inspiração para aquilo que surgiria no Brasil.

Nesse meio tempo, em território nacional também começaram a surgir boutiques e costureiros renomados. Antes de mais nada, eles começavam a se livrar da dependência dos grandes nomes estrangeiros, vindo a fundar uma costura “de autor” própria do Brasil.

 

 

O setor da moda no Brasil

 

Nesse cenário, Gil Brandão (1924-1983) surgiu como o modelista mais destacado do período. Entretanto, foi principalmente com Dener Pamplona de Abreu (1937-1978) que observamos a evolução desse fenômeno.

 

Casaco da coleção Rhodia no MASP, 1960. Crédito: Artista – Antonio Bandeira / Estilista – Dener Pamplona. Fonte: Google Arts and Culture.

 

O jovem costureiro, que havia iniciado a sua carreira na Casa Canadá, no Rio de Janeiro, aos 13 anos, se mudou para São Paulo no final da década de 50. Lá fundou o seu próprio ateliê e marca, com a qual se projetou de vez como estilista da moda nacional de luxo.

Esse foi o lançamento da alta-costura genuinamente nacional. Contudo, sendo algo tão novo, claro que surgiram críticas a respeito da autenticidade de uma moda de fato brasileira – ou do que esta viria a ser!

 

 

A Rhodia entre desfiles, manequins e estilistas

 

Logo em 1955 a Rhodia havia lançado o náilon para a produção de tecidos sintéticos no Brasil. Para promover esse novo material e expandir ainda mais o mercado, em 1958 a empresa patrocinou a organização da primeira Feira Internacional de Indústria Têxtil, a FENIT.

O evento então unia pela primeira vez a exposição da matéria-prima, máquinas e modelos da moda. Nesse sentido, o evento é considerado o precursor da São Paulo Fashion Week. 

Desse modo, nos anos 60 a Rhodia foi a responsável pelos maiores desfiles da época. Esse tipo de evento era ainda uma inovação do setor, tendo sido lançado na década anterior pela Casa Canadá.

 

Esboço da coleção “Brazilian style”, de Alceu Penna. Crédito: Museu da Moda Brasileira. Fonte: Google Arts and Culture.

 

Buscando explorar esse tipo de evento para o lançamento das novas coleções, Livio Rangan (1933-1984), dirigente de publicidade da Rhodia, decidiu entrar com peso na FENIT. Assim nascia os eventos tipo ‘Brazilian Style’. Desde então, a intenção era promover a moda nacional, dando espaço para que uma série de jovens aspirantes a estilistas desfilassem o seu trabalho.

Além disso, para estimular mais ainda as inovações da indústria, Rangan também cuidou de desenvolver a estamparia. Para tanto, ele contratou diferentes artistas plásticos para criar motivos ‘bem brasileiros’. O objetivo era mesmo sair do comum e chamar a atenção!

 

A Rhodia e a criação da moda “Made in Brazil

 

Claro, quando falamos da busca por criar e promover uma moda nacional não nos referimos apenas a um único aspecto.

Primeiramente, o empreendimento dependia tanto da produção de um material próprio (tecidos). Além disso, precisava de profissionais qualificados (costureiros e estilistas) e espaços para a sua disposição e venda (lojas, ateliês e casas de moda). Por fim, era crucial uma boa divulgação (revistas próprias sobre o tema, desfiles, publicidade).

Assim, a moda brasileira surgia a partir de uma união de forças, e a Rhodia foi um dos principais elementos dessa engrenagem.

 

Publicidade da década de 60. Fonte: Mulheres do Mundo Chic.

 

Nessa altura, o conceito de marketing ainda não estava difundido. Seja como for, essa era uma das principais atividades do italiano Livio Rangan na Rhodia. Tendo promovido uma verdadeira renovação da marca, o seu enfoque se deu especialmente no desenvolvimento de campanhas e comunicação para um público-alvo (MENDONÇA, 2018, p. 56).

Hoje em dia essas são ações muito básicas, mas na época foram uma verdadeira revolução!

 

A mídia especializada

 

Idealizada pelo publicitário Caio de Alcântara Machado (1926-2003), a FENIT foi a princípio patrocinada pela Rhodia. O objetivo central do evento era promover a indústria têxtil nacional, assim como divulgar estilistas nacionais e internacionais, sendo uma janela para novos modelos e profissionais do setor.

Sua primeira versão, realizada em 1958, foi um fracasso total. Afinal, o empresariado brasileiro da época não tinha a cultura de frequentar exposições em grandes feiras. A partir da segunda edição, em 1960, o evento deslanchou. Em alguns anos, conseguiu reunir em torno de dois mil expositores e receber 200 mil visitantes.

Com o setor em efervescência, em 1959 surgiu a a Manequim, a primeira revista voltada à moda no país. A partir daí, no decorrer dos anos 60 e 70 a editora Abril fez o lançamento de outras revistas como, por exemplo, a Claudia.

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Publicidade da coleção “Brazilian Style” da Rhodia. Fonte: Facebook Alceu Penna.

 

A FENIT foi um grande estímulo para o aparecimento dessa mídia especializada em moda e beleza. Dessa maneira, aproveitando o embalo a Rhodia promoveu outros eventos importantes para a moda brasileira – um deles inclusive em Roma, em 1963.

Além disso, ela também foi um apoio ao trabalho dos grandes nomes da moda nacional da época. Entre eles, por exemplo, Dener, Clodovil Hernandes, José Nunes, Guilherme Guimarães, Ronaldo Esper e Ugo Castellana.

 

Coleções e desfiles

 

Todavia, participar do evento não foi a princípio uma prioridade de marketing da marca. Foi só em 1963, com a coleção “Brazilian Look”, que o desfile tomou para ela grandes proporções.

Assim, para a divulgação de seus produtos, a Rhodia passou a realizar ela mesma magníficos desfiles de moda. Coordenados por Lívio Ragan, eles então reuniam os maiores artistas brasileiros da época.

 

Conjunto de blusa da coleção Rhodia no MASP, de 1960. Crédito: Artista Aldemir Martins. Fonte: Google Arts and Culture.

 

Como resultado, pela primeira vez os desfiles contavam com um cenário temático criado para o evento, além de apresentações musicais. Como descrito no site da própria empresa, “multidões se apinhavam para ver os desfiles-show da Rhodia, com apresentações das grandes estrelas da MPB e da Bossa Nova, como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nara Leão”.

Desse então, a dimensão dos desfiles-show só aumentou.

 

Brazilian Style

 

Em 1972, a Rhodia desfilou na FENIT com a sua coleção de tecidos intitulada “Brazilian Nature”.

Para produzi-la foram convidados os mais famosos pintores do país, que estamparam os tecidos que seriam customizados pelos costureiros mais badalados da época.

 

Esboço da coleção “Brazilian nature” de Alceu Penna. Crédito: Museu da Moda Brasileira. Fonte: Google Arts and Culture.

 

“O pretexto dos shows tipo ‘Brazilian Style’ era ‘promover a alta costura nacional’, dando espaço de desfile a uma série de jovens costureiros aspirantes a criadores. Como também se impunha desenvolver a estamparia, ela contratou artistas plásticos para conceber motivos ‘bem brasileiros’(…).”

“Para reforçar ainda mais a ilusão de ‘inspiração nacional’ da alta costura então nascente, a Rhodia fez viajar pelo Brasil costureiros, manequins e coleções, de modo a autenticar sua ‘brasilidade’ em sítios celebrados como símbolos da nacionalidade, como Salvador, Ouro Preto e Brasília.” (Durand, 1988 p. 79).

 

A Rhodia em desfiles internacionais

 

Especialmente em parceria com Alceu Penna (1915-1980), a Rhodia executou vários desfiles no mundo. Assim, em cidades como Roma, Paris, Hong Kong, Beirute, a empresa buscava projetar a moda brasileira internacionalmente.

Entretanto, vale a pena ressaltar que, diferente do que se dizia nas reportagens nacionais, os desfiles da Rhodia não tiveram grande repercussão no exterior.

 

Publicidade da Rhodia na Itália. Crédito: Vienna Cat. Fonte: Flickr / Pinterest.

 

Lívio Rangan, o idealizador das campanhas e diretor da Rhodia, convocou o então cenógrafo e produtor de espetáculos-desfile Cyro Del Nero – que já tivemos a honra de ter como colaborador do Fashion Bubbles.  Assim, junto com o ilustrador e figurinista Alceu Penna, formou-se o “tripé” que idealizou e deu forma aos megaeventos da Rhodia durante 8 anos.

 

 

A Casa Rhodia

Depois de ficar evidente que a empresa têxtil era o que de mais quente havia naquela época, nos anos 80 a Rhodia resolveu montar um casarão. Esse espaço foi então chamado de Casa Rhodia, se localizando na Avenida Brasil, em São Paulo.

Dentro daquela mansão passaram a ter lugar os badalados eventos de moda patrocinados pela empresa. Como resultado, a companhia ficou tão famosa no cenário nacional que passou a ditar as tendências da moda no Brasil, se tornando um ícone de glamour e elegância.

A Casa Rhodia foi fechada nos anos 90 e colocada à venda em 2004, mas a memória da sua qualidade e luxo perdura até os dias de hoje.

 

Exposição no MASP

 

Divulgação da exposição MASP Rhodia. Fonte: MASP.

 

Em 2016, o Masp exibiu uma exposição da coleção de moda da Rhodia. A mostra decorreu do dia 23 de outubro até 14 de fevereiro do mesmo ano.

A coleção foi doada pela própria empresa, sendo composta por 78 peças de vestuário produzidas nos anos 1960. A seleção de modelos enfatizou o conceito de brasilidade, com estampas criadas por artistas como Willys de Castro (1926-1988), Aldemir Martins (1922-1996), Hércules Barsotti (1914-2010), Carybé (1911- 1997), Alfredo Volpi (1986-1988), Lula Cardoso Ayres (1910-1987) e Antonio Maluf (1926-2005).

Os demais estilistas eram convidados a transformar os tecidos em modelos para os desfiles, tendo a maioria sido criada por Alceu Penna. Em um dos espetáculos, o “Momento 68”, Alceu chegou a criar 400 peças!

Veja abaixo um vídeo sobre a mostra.

 

 

Exposição no Farol Santander

 

10 vestidos da Coleção Rhodia das décadas 60 e 70 no Farol Santander. Fonte: Lilian Pacce.

 

Com curadoria de Giselle Padoin, o Farol Santander teve recentemente em cartaz a exposição “A Arte da Moda – Histórias Criativas”. Tendo estado em cartaz do dia 22 de janeiro ao 4 de abril, a mostra trouxe a relação da arte e da moda durante o século XX. Assim, explorando o tema da moda nacional, foram selecionados alguns dos modelos mais icônicos da Rhodia que fazem parte do acervo do MASP.

Claro, há muito mais para explorar sobre o acervo existente. Vale a pena dar uma olhada!

 

Por Denise Pitta.

Revisado e editado por Mariana Boscariol.

 

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Rhodia Vestido de Alceu Pena, com estampa de Lula Cardoso Ayres. Vestido com estampa de Manezinho Araújo, fabricado por Jardim Style.

 

 

 

 

Mariana Boscariol: Mariana Boscariol é uma historiadora especialista no período moderno. Sua experiência profissional e pessoal é em essência internacional, incluindo passagens por Portugal, Espanha, Itália, Japão e o Reino Unido. Sendo por natureza inquieta e curiosa, é também atleta, motoqueira e aventureira nas horas vagas – e sempre leva um livro na bolsa!
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