A Roupa Como Linguagem
As roupas não são apenas vestimentas que protegem o corpo ou adereços e adornos que nos embeleza. As roupas, como todos os objetos usados no…
As roupas não são apenas vestimentas que protegem o corpo ou adereços e adornos que nos embeleza. As roupas, como todos os objetos usados no cotidiano pelos homens, são partes da nossa existência diária, traduzem estados de espírito e identidades pessoais.
Elas preenchem o mundo de sentido e significado e nos ajudam a construir diversas narrativas e expressões sobre nós mesmos: sobre quem somos ou como queremos ser vistos, a nos diferenciar ou criar identificações, a ocupar posições ou oposições dentro do grupo.
A roupa nos constrói e tem um poder sobre nós. Ela é um elemento forte da nossa cultura material. Ela nos ajuda a construir universos de sentido e significação, representações e símbolos visuais sobre aspectos de nosso self e de nossa identidade pessoal e social. Nas nossas relações com o mundo, com os outros homens e com os objetos que nos cercam construímos nossa cultura e quem somos.
Não se pode querer compreender o comportamento e as atitudes do consumidor sem entender antes o que a posse, os usos e representações destes bens significam para ele.
Uma forma de se fazer isso é reconhecer que eles consideram e vêem suas posses como partes deles, conscientemente ou não, intencionalmente ou não. As roupas são dentre todos os objetos aqueles que sempre carregaram a maior carga de valor sígnico. Através das roupas podemos entender a organização e a dinâmica político-social de um período, os tipos de interações e relações humanas e sociais, entender o comportamento e a sensibilidade de uma época e também contar histórias pessoais da vida cotidiana, pois as roupas nos falam, acima de tudo, de emoções, experiências e conquistas.
É comum nos descrevermos, destacando certos traços característicos de nossa personalidade atribuídos por outros. Também é muito comum usarmos categorias sociais objetivas como: sexo e idade, classe e escolaridade, pertencimento cultural e filiação familiar para dizer quem somos. Hoje em dia não usamos apenas estas informações ou características pessoais, mas dizemos quem somos através de muitos outros canais: nossos interesses, práticas, opiniões, de outras pessoas e participação em lugares ou eventos, através de hábitos de mídia e consumo, posse de certos produtos e marcas.
Usamos cada vez mais objetos e marcas para ajudar a nos descrever. Muitas vezes são estas coisas: etiquetas e roupas, que nos atribuem senso de identidade social e nos auxiliam a construir, projetar e ativar nossa auto-imagem ou marca pessoal. No teatro de aparências e representações da vida contemporânea todos buscam visibilidade e reconhecimento, querem ser identificados ou diferenciados dentro dos diversos grupos sociais coexistentes.
Os produtos e marcas são usados como marcadores sociais, promotores de estilos de vida, de distinção e originalidade pessoal. São códigos e manifestações que carregam sentidos e significações, exprimem padrões de sensibilidade e comportamento compartilhado e expressam nosso gosto e estilo. Por isso que dizemos que as roupas são comunicadores sociais, com uma linguagem própria e poderosa, que carrega uma força simbólica enorme.
Os objetos que possuímos, usamos ou consumimos, mandam mensagens sobre quem somos, como queremos ser vistos e aspiramos ser. Nosso consumo preenche muito pouco nossas necessidades materiais e funcionais. Ele é atravessado por um profundo valor emocional e simbólico. Nosso corpo e nossa casa são os suportes sobre os quais inscrevemos projetos e narrativas, mensagens e códigos: um sistema e meio de comunicação.
Uma comunicação rica em metáforas e aliterações. Nós falamos através das nossas roupas, da nossa casa e dos nossos objetos. São signos visíveis de nossa condição social e de nossa auto-expressão pessoal. Uso minha casa e meu corpo para dizer quem sou. Eles são os últimos espaços privados de liberdade criativa que restaram aos indivíduos. Nossos interesses e preferências de consumo transmitem mensagens sobre nossa identidade e status social. Produtos e marcas pessoais nos ajudam a confirmar a própria imagem e definir nossas frágeis fronteiras de subjetividade, mas também prometem a experiência de novas identidades e da transformação de si.
Interagimos social e simbolicamente com diversos grupos e indivíduos nas diversas escolhas que fazemos e nos signos e imagens que consumimos. Uma roupa, um objeto ou acessório é uma mensagem que efetivamente utilizo para transmitir algo sobre mim.
Os homens, muitas vezes, se definem mais pelas suas posses que por aspectos de natureza interna. Através de objetos e roupas, desenvolvemos uma linguagem que é fortemente definida pela publicidade que estabelece padrões e atitudes, gostos e interesses. As mercadorias se vêem transformadas em objetos de comunicação e portadores de identidade social.
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Por Sérgio Lage
(Sérgio Lage é mestre em Sociologia e Publicidade e Marketing pela USP.
Professor Universitário nas áreas de Antropologia do Consumo e Cultura Material, Tendências, Comportamento e Consumo, Posicionamento Estrátégico de Marca e Consumidores. Sérgio tem ainda uma consultoria na área de Comportamento e Tendências chamada What´Z´on – estudos e idéias. Nas horas vagas, adora escrever textos e crônicas sobre a vida moderna nos blogs Alto Valor Agregado e Vidas no Singular. E-mail: [email protected] .)