Adolescência e Juventude e os Estilos Revolucionários – Parte 3/3

Imagem do blog Maurício-Chemical

O estilo não decide, ele se contenta apenas em colocar as revoltas e substituí-las por uma imagem, que progressivamente se afirma e se estabiliza, criando uma mentalidade ou uma atitude definitiva, resolvida. Esse foi o caso dos rockers, punks e hippies, para os quais o estilo cumpriu seu papel de experimentação de um futuro ainda indeterminado e ajudou na sua formação.

Desempenhando papel essencial na formação das mentalidades, o estilo não cria, apenas se contenta em ajudar as mentalidades a se decidir, a aperfeiçoar sua própria consciência, fazendo nascer dela a moral do estilo.

Os movimentos de estilo vêm na quase totalidade, de apelidos irônicos. Às vezes próximos do puro insulto: mais slogans que verdadeiros nomes, não dizem nada do que designam. A zombaria se reveza com uma espécie de desprezo divertido e bastante agressivo. Quanto mais os movimentos em questão são surpreendentes, absurdos, escandalosos, até traumatizantes, mais o apelido que triunfa é o que se aproxima da onomatopéia pura, do sinal sonoro despojado de qualquer sentido.

Mesmo no caso da palavra punk, sinônimo de feio, tarado, marginal, o sentido se apaga rapidamente diante da força da palavra como tal, que se esvazia de todo o conteúdo para se transformar num lema-chave, em imagem pura de uma aparência que manifesta uma das verdades mais fundamentais dos movimentos de estilo: a ausência de sentido.

Movimento punk

Culturas alternativas da cultura dominante de suas épocas, os movimentos de estilo para moda-vestuário compartilham de uma visão de mundo com um tipo de música, um estilo gráfico, uma estética pictórica, como também com uma mentalidade, uma filosofia, com mitos e períodos de referência, e com sistemas inteiros de significação, como vemos hoje nos trajes dos jovens japoneses em Harajuku.

Qualquer estudo do aspecto sistêmico dos modismos existentes nestes movimentos revela a dificuldade de interpretação criada por eles, uma vez que qualquer análise de moda deve pôr a descoberto todas as suas manifestações estéticas, filosóficas e morais, pois é da coerência deste conjunto que surge o significado de cada elemento, que só tem sentido quando visto numa relação entre todas estas manifestações.

Cada moda tem sua história, sua própria temporalidade, durante a qual seu significado pode até se transformar radicalmente em função das reações que ela provoca no seu ambiente, pois toda moda é produto da relação espaço-tempo de uma determinada comunidade, ou seja, assim como a cultura, a moda e seus movimentos de estilo são resultados da relação dos homens com a natureza e seus semelhantes.

Maffesoli, na obra No Fundo das Aparências, afirma que este tipo de relação social faz parte dos períodos históricos nos quais os laços sociais se tornam emocionais: (1996:51)

…um modo de ser em que o que é vivido com o outro é primordial e que, se expõem ao mundo, através de uma ética estética, que contamina as esferas políticas, a vida da empresa e a vida cotidiana essa ética, responsável pelo modo de estar junto e este caráter social, hoje, é vivida através da presença obsedante do objeto como totem emblemático e do jogo das aparências, onde o corpo se manifesta numa teatralidade contínua e vibra por meio de imagens comuns.

Maffesoli enfatiza que (1995:145): no balanço da história das idéias, observa-se regularmente que, depois da saturação de um grupo de valores racionalistas ou clássicos, há o surgimento de um grupo de valores que enfatiza a sensualidade. Portanto, é viável analisar o caráter social contemporâneo como uma barroquização do mundo presente e a formação de grupos de iguais como uma ética estética de estar juntos. O atual vestuário do adolescente, através da sua multiplicidade, é um fenômeno capaz de expressar um mundo barroquizado, dominado pela força das imagens e dos sentimentos.

Exemplos significativos deste modo ético-estético de ser e estar no mundo têm sido reconhecidos através da história, nos trajes, como os dos incroyables e merveilleuses, dândis, existencialistas, hippies, punks, rappers, clubbers , indies e lolitas.

Imagem do blog Jornal SociológicoHippies e Woodstock

Imagem do blog Jornal Sociológico – Punks

Para Argan (1994), a história deve localizar os objetos no tempo e no espaço, coordená-los com outros com os quais tenham alguma relação, explicar a situação em que foram produzidos e as conseqüências a que deram lugar, demonstrando os valores ligados e inerentes aos fatos e às coisas. Tais valores servem para levantar o aspecto ético que o uso dos objetos induz na sociabilidade dos indivíduos.

Quanto à estética, como segmento que estuda as atividades de criação no seu conjunto, deve observar as motivações, modalidades e finalidades que distingue a moda das outras atividades presentes em qualquer cultura e que, no que diz respeito à aparência do vestuário, e das imagens que dele derivam.

O corpo, através do jogo das aparências, delimita e condiciona as maneiras de ser, os modos de pensar e os estilos de comportamento que determinam as relações com a alteridade através do que se deixa ver, e este é o caso da moda-vestuário usada pelos adolescentes nas grandes cidades contemporâneas.

Leia também:

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Por Queila Ferraz

Queila Ferraz: Queila Ferraz é historiadora de moda e arte, especialista em processos tecnológicos para confecção e consultora de implantação para modelos industriais para a área de vestuário. Trabalhou como coordenadora Geral do Curso de Design de Moda da UNIP, professora da Universidade Anhembi Morumbi e dos cursos de pós-graduação de Moda do Senac e da Belas Artes.
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