Querendo ajustar o mundo externo ao mundo interno

Ajustar o sapato, por Edgar Degas

Na moda procuramos ajustar as tendências às expectativas do consumidor para uma viabilidade comercial. Quando compramos uma roupa e não nos serve, também fazemos ajustes, seja cortando os excessos ou afrouxando tecidos até o tamanho ideal. Ao comprar um produto ou serviço também tentamos ajustá-los ao nosso bolso e a quanto estamos dispostos a pagar.

Na vida e nos relacionamentos temos uma dificuldade imensa em ajustar nossas expectativas com relação aos outros e a nós mesmos. Como existe uma distância muito grande entre nosso querer e nossos desejos inconscientes, ficamos sempre frustrados conosco e com quem nos relacionamos. Algumas reclamações comuns em relação aos pais: recebi muito amor e carinho, mas nunca pude contar com meus pais como provedores ou protetores, pois financeiramente eu tive que construir minha própria vida.
Outros dizem: meus pais cuidaram muito bem de mim (tecnicamente), mas faltava carinho, afeto, amor. Não posso reclamar de meus pais em nada, mas meu irmão ou minha irmã sempre foram os queridinhos e receberam muito mais.

Os pais também manifestam suas frustrações dizendo: graças a deus que meu filho não fuma, não bebe, não usa drogas, mas não sei a quem ele puxou por ser tão preguiçoso e imaturo nas suas escolhas. Minha filha sempre foi exemplar com a família e na escola, mas ir morar com o namorado sem casar-se é demais! Eu percebo a dedicação de meus filhos na escola e no trabalho, mas eles pensam que nossa casa é um hotel? Só vem para dormir. Outros não sabem o que querem: nesta idade já quer sair de casa e ser independente? Ou, quando será que eles crescerão e tomarão rumo em suas vidas?

Na relação afetiva a situação parece ser uma reedição das experiências vividas com os pais:
– Conheci meu namorado em uma pista de dança, ele era o máximo, dançamos a noite inteira. Hoje eu não acho graça dele ficar se exibindo para todas mostrando o quanto sabe dançar.
– Eu sempre gostei de mulher liberal, mas não posso aceitar que minha mulher queira sair todo mês com amigos (colegas de trabalho, faculdade, pós, etc).
– Não há homem disponível e acho que vou ficar encalhada, mas na semana passada conheci um rapaz e ele já queria marcar de sair comigo, sem me conhecer. Eu já sei o que ele quer comigo…

Ajustar as expectativas pode ser uma tarefa difícil e a psicanálise ajuda muito a descobrir as motivações inconscientes de nossas atitudes. Quando tentamos ajustar o outro (a) às nossas expectativas sem respeitar suas limitações e desejos, pode ser muito doloroso e custar muito para a relação.

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O que me faz lembrar de Procustos, um personagem da mitologia grega que vivia em uma caverna aguardando a passagem de viajantes para lhes oferecer hospedaria. Entretanto, Procustos procurava ajustar as pessoas a sua cama: se a pessoa fosse  menor do que sua cama, ele a espichava e se fosse maior, lhes cortava as partes em excesso.  As torturas submetidas aos viajantes só findaram quando Procustos foi morto por Teseu.

Procustos ajustava as pessoas a sua cama

Nossas exigências internas e externas fazem-nos criar determinadas expectativas de nós e dos outros incompatíveis e, muitos se sujeitam a tais demandas sem analisar os fatos repetidos, fazem de suas vidas uma tortura por desrespeitar os limites físicos e emocionais de si e dos outros, sem nunca elaborar os motivos inconscientes destas escolhas.

Procustos foi morto por Teseu

Por Carlos Alberto Alves e Silva

Carlos Alberto Alves e Silva: Psicanalista e economista, com pós-graduação em Administração pela USP e Marketing pela ESPM. Tem MBA em Gestão Internacional pela Thunderbird School of Global Management‚ Arizona‚ USA e formação nas áreas de Psicologia e Filosofia.

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