Dândis e a antimoda masculina. O que é o dandismo negro? Entenda como os dândis influenciaram o tema do Met Gala 2025
Da opressão à celebração mundial: como os “escravos de luxo” do século XVIII revolucionaram a moda masculina e chegaram ao Met Gala 2025
O dandismo negro representa uma poderosa expressão de resistência cultural através da moda, transformando a elegância em manifesto político. Nascido como resposta à opressão racial, permitiu que homens negros reivindicassem espaço e reconhecimento em sociedades que tentavam apagá-los.
Em 2025, o Met Gala celebra esta tradição com o tema “Superfine: Tailoring Black Style”, reconhecendo a contribuição fundamental dos dândis negros para a moda global. Com Pharrell Williams, Lewis Hamilton e outros ícones como anfitriões, o evento marca um momento histórico de valorização desta herança.
O que foi o dandismo original e como ele revolucionou a moda masculina?
Foi no século XIX, que o vestuário passou a significar dissidência. A figura crucial nesta transformação foi o dândi. O dandismo estabeleceu padrões mais rígidos de masculinidade ao introduzir um traje novo, moderno e urbano. Também, apontava para o vestuário como forma de revolta.

- Ao mesmo tempo, leia Camisola e vestido babydoll: história e diferença entre esses símbolos de libertação feminina
O vestuário masculino do século XIX era uma adaptação do traje de campo e esportivo do séc. XVIII. Foi o dândi que o transformou em estilo dominante, impondo uma estética que se opunha ao exagero de rendas, brocados e pó-de-arroz dos aristocratas pré-Revolução Francesa. Para Beau Brummel, seu criador, o novo estilo significava nada de perfumes. O papel do dândi implicava numa preocupação com o eu e a apresentação pessoal; a imagem era tudo.

“Oscar Wilde: o esteta, o dândi, o escandaloso, o intelectual, o sedutor, o elegante, o exótico, o bizarro, o homossexual, muitas vezes atitudes excêntricas para afrontar a sociedade londrina do século XI”.
Dhora Costa
- Siga o Fashion Bubbles no Google News! É só clicar aqui e, logo depois, na estrelinha lá no News!
Como começou o dandismo?
Antes que o dandismo negro fosse reconhecido, foram os europeus brancos que começaram esse estilo. O termo “dândi” passou a ser associado a homens que tratavam a moda com grande seriedade e preocupação com a própria imagem. Esse conceito tomou forma durante o período do Iluminismo e se consolidou principalmente com a Revolução Francesa, marcando o início da transformação do modo de vestir masculino naquela época.
Numa época em que o luxo era representado por trajes típicos do período rococó — como as perucas brancas com pó-de-arroz, calças que cobriam apenas até o joelho, coletes e tons neutros — os dândis se destacaram ao adotar uma elegância mais personalizada, chegando a ser quase excêntrica, mas sem abdicar da sofisticação da alfaiataria sob medida.

- Logo após, leia Met Gala 2025: de Rihanna a Zendaya e Janelle Monae, confira 21 looks marcantes das famosas
Eram homens abastados, embora muitas vezes fora da nobreza, reconhecidos por um refinamento atlético e pela escolha consciente de cada detalhe do vestuário. Exemplos dessa época são Oscar Wilde e Beau Brummell, conhecido por sua amizade próxima com o futuro rei George IV do Reino Unido.

Graças ao seu gosto inovador e ligação com a moda, Brummell entrou para a história como um dos primeiros grandes ícones fashion do século XIX. Suas principais marcas eram o uso constante de casacos escuros, camisas de linho e calças cumpridas, além de priorizar um estilo de vida voltado às artes, o que fazia com que fossem taxados como fúteis por alguns contemporâneos.
- Logo depois, leia Exposição “60 Anos da Moda Brasileira”, em São Paulo, conta história da moda nacional por meio dos looks
Quem era o dândi e qual seu papel na sociedade?
Muitas vezes não tinha profissão, nome de família (SNOB: sem nobreza) e, aparentemente nenhum meio de sustento econômico, mas acabou por criar o arquétipo do novo homem urbano. A sua dedicação a um ideal de vestuário que santificava a sutileza, inaugurou uma época que punha o tecido, o corte e a queda do traje à frente do adorno, opunha o clássico retilíneo à cor e ostentação do rebuscado traje barroco e rococó.

Tipo narcisista, não abandonou a busca da beleza, apenas modificou o tipo apreciado, criando um novo erotismo masculino, com calças muito apertadas e o rosto sem pintura. O novo estilo tornou-se possível pelo uso da lã e do algodão em vez das sedas finas e cetins da velha aristocracia. Os alfaiates ingleses foram os primeiros a aperfeiçoar as novas técnicas de costura para tais tecidos. Vem dai a tradição de alfaiataria como corte inglês para traje masculino.
Como era a rotina de um dândi e sua relação com a moda?
Executar uma toalete dândi exigia horas de dedicação diária, não mais para pintar e emperucar, mas para limpar, escovar, lavar e fazer a barba, para engraxar as botas até a perfeição e para dar um nó exímio na gravata, que portava sempre um aspecto de indiferença. Inventaram o estilo Cool. Seu traje era simultaneamente uma revolta e um chic clássico.

Era um homem do passado e do futuro. Wilson lembra que sobre o dândi Balzac (figura acima), como um grande representante da categoria, dizia que tinha como objetivo apenas ser ele próprio, sendo que sua perfeição em tudo o que não lhe era essencial na vida, era uma espécie de atuação aristocrática, Isto porque, segundo ele, o aristocrata moderno é sempre incógnito e, no entanto, sempre em exibição.

Como surgiu o dandismo negro?
Quando se trata dos dândis negros, é importante notar que inicialmente nem sequer eram chamados por esse nome. Monica Miller, professora especialista em estudos africanos na Barnard College (EUA), explorou as origens desse fenômeno em seu livro “Slaves to Fashion: Black Dandyism and the Styling of Black Diasporic Identity” publicado em 2009.
O trabalho de Miller revela que a história começa entre os chamados “escravos de luxo” que viviam em Londres no século XVIII. Diferentemente daqueles forçados a trabalhar no campo, esses escravizados eram empregados frequentemente como assistentes pessoais de seus proprietários. Por exigências sociais, precisavam estar muito bem vestidos, tornando-se, dessa forma, símbolos de status e prestígio para seus senhores.
Um dos nomes mais emblemáticos do período foi Julius Soubise, escravizado por Catherine Hyde Douglas, duquesa de Queensberry, que chamava a atenção ao desfilar com sapatos de salto vermelho decorados com fivelas de diamantes. Monica Miller descreve Soubise como “o dândi entre os dândis”, destacando sua sofisticação em meio à sociedade britânica.

Logo, tal conceito chegou aos Estados Unidos, onde afro-americanos passaram a incorporar esses códigos visuais. Miller menciona em uma entrevista que, ao longo do tempo, o dandismo negro abriu uma porta para utilizar não só roupas, mas também gestos e atitudes irônicas e inteligentes para redefinir suas identidades.
De acordo com a jornalista de moda e consultora de diversidade, Luanda Vieira, a moda foi usada por essas pessoas para traçar novos caminhos e, acima de tudo, garantir seu espaço onde antes eram excluídas: “A grande questão era justamente esta: sentar-se à mesa. Acharam uma forma de dizer: eu também posso estar aqui”.
Como o dandismo evoluiu e se transformou ao longo do tempo?
Símbolo ambulante de erotismo, o dandismo foi adulterado e vulgarizou-se, no final do século XIX, ao ser diretamente associado à homossexualidade. Lorde Byron, seu maior divulgador, é considerado o responsável pela substituição das ceroulas pelas calças e fala-se que foi o primeiro a usar calças de jeans, que eram muito largas, brancas durante o dia e escuras para noite.
- Em seguida, leia Vídeo viral mostra a evolução da moda masculina nos últimos 10.000 anos. Assista já!

O traje era complementado por um casaco preto de lã, um colete com abotoamento alto e uma gravata muito estreita de tafetá. Byron é tido como a primeira estrela pop da cultura inglesa.

No século XIX, Baudelaire, fascinado pelo dandismo, vestia-se de preto para protestar contra a vulgaridade do vestuário nos círculos boêmios franceses, encarava o dandismo como uma procura da perfeição, uma forma de espiritualidade e, também como uma reação social a aquela época transitória, quando a democracia ainda não estava toda poderosa, apesar da aristocracia estar parcialmente destronada e desvalorizada.

Assim como Balzac, Baudelaire considerava o dândi um rebelde desencantado que tentava criar uma nova aristocracia do gênio, ou pelo menos do talento, soberbo, sem calor e cheio de melancolia.
- Logo após, leia Moda anos 80: como as tendências e influências transformaram o cenário fashion no Brasil
Dandismo negro enfrentou racismo desde o início
O estilo ousado dos homens negros provocou reações negativas. Para ironizar sua tentativa de ascensão social ou simplesmente ridicularizá-los, surgiu o “blackface” no final do século XIX nos Estados Unidos. Nos palcos, artistas brancos pintavam o rosto de preto e usavam roupas semelhantes às dos dândis negros, zombando de quem buscava espaço e respeito.
Nesse período, também foi criado o personagem Jim Crow, por Thomas D. Rice em 1832: uma caricatura grotesca de homem negro vestindo roupas elegantes, mas em estado precário — trajes rasgados, sujos e botas danificadas. A intenção era passar a mensagem de que, independentemente do vestuário, a pessoa negra seria sempre vista como inferior. Não à toa, Jim Crow acabou batizando posteriormente as leis de segregação racial do sul dos Estados Unidos, vigentes entre 1877 e 1964.
Qual a relação entre dandismo e contracultura?
Wilson fala do dandismo como um movimento que para além da moda, se expressava como movimento de contracultura (1989: 243), tão contraditório quanto a sociedade que lhe deu origem, porque este período transitório do capitalismo é permanente, condenado a constantes mudanças, vomita repetidamente rebeldes ambíguos, cuja rebeldia nunca é uma revolução, pelo contrário apenas uma afirmação do eu e acima de tudo anti-burguês.
O estilo que o dândi inventou introduziu através do vestuário convencional masculino, a antimoda e também o estilo de oposição. A antimoda é a elegância que nunca chama atenção, a simplicidade que Chanel reinterpretou para as mulheres no século XX. É a tentativa de encontrar um estilo sem época, de eliminar por completo o elemento de mudança na moda.

O dandismo também continha os germes do estilo de moda de oposição que tem por finalidade expressar a dissidência ou as idéias diferentes de um dado grupo, ou das opiniões hostis à maioria conformista.
- Em seguida, leia História da chita: tudo sobre o tecido estampado que é a cara da festa junina
Dandismo negro: cada um faz o seu estilo
Enquanto entre dândis brancos predominavam tons discretos e alfaiataria escura, os homens negros passaram gradualmente a explorar cores, estampas e combinações fora do convencional. O próprio Met Gala de 2025 instituiu como dress code o conceito “sob medida para você”, incentivando interpretações autênticas do dândi moderno.

O livro de fotografias “Dandy Lion: The Black Dandy and Street Style”, lançado em 2017 por Shantrelle P. Lewis, registrou visuais vibrantes e coloridos de homens negros usando ternos sofisticados e personalizados. Para a autora, o uso da cor permanece como elo entre a afrodescendência e a autoexpressão no vestuário.

Vestir um terno de ankara — tecido africano famoso pelas estampas e por suas cores — é uma atitude que não passa despercebida e reforça o orgulho identitário de quem o usa. Exemplo disso são os “sapeurs”, integrantes da Sociedade dos Animadores e das Pessoas Elegantes, da República do Congo, que a partir dos anos 1960 elegeram regras próprias de elegância, como limitar o look a apenas três cores distintas. O fotógrafo Daniele Tamagni identifica neles uma fusão entre marcas ocidentais repaginadas, acessórios herdados do colonialismo e influências do hip-hop.
Relacionadas
O que é o estilo cottagecore? Veja tudo sobre a estética e como aderir à tendência em 50 inspirações
Moda sustentável: Malwee lança camiseta que captura CO₂ da atmosfera
DFB Festival 2025: 6 tendências de moda direto dos desfiles para usar já!
Como o dandismo influenciou a estética masculina moderna?
Ao introduzirem o cabelo cortado à escovinha no início do séc. XIX, sem pó-de-arroz para ambos os sexos e gravatas largas com nó desleixado, um ar de beleza desmazelado sugeria uma mente ilustrada acima do vestuário.
Sugerem uma profissão de artista ou intelectual usando o desmazelo, e continuam fazendo isso até hoje, como vimos com os jeans, que muitas vezes compram já surrados e rasgados, como fez a geração de 68.

O dândi, como herói romântico apareceu em muitos romances ingleses do século XIX. No período da Regência, e através do dandismo se iniciou o uso das roupas pretas no traje masculino, porque o preto era uma cor apropriada para um ser maligno que o herói moderno tinha de ser e, para esse século, em luto por si próprio. O romance mais famoso deste estilo foi Pelham de Edward Lytton, publicado em 1828.

- Ao mesmo tempo, leia Figurino de Bridgerton: tudo sobre as roupas da série escapista da Netflix
Por que o preto se tornou a cor emblemática do dandismo?
John Harvey (2001:197) em sua obra Homens de Preto, fala sobre o sentido de relacionar o uso do vestuário preto com o seu uso antigo, mais habitual, o luto, apesar de considerar estranha a relação entre o luto e a revolta.
Apesar de o preto não ter sido sempre a cor do luto, a especial ênfase no ritual do luto durante o século XIX, expressava tanto a seriedade profunda da sensibilidade evangélica vitoriana como a histeria generalizada dessa cultura.

O exagero do luto de uma viúva demonstrava a riqueza do defunto patriarca. O luto profundo tinha a ver tanto com a reputação sexual como com as posses e propriedades de uma viúva, que em bom estado de amparo financeiro não precisaria de segundas núpcias.
O luto foi um negócio lucrativo no século XIX. Todas os magazines tinham seu departamento apropriado, onde as roupas podiam ser ajustadas na medida do cliente com muita rapidez. Assim, o luto só deixou de ser exigido após o período de penúria da Primeira Guerra. Hoje em dia, quase que desapareceu, na medida em que a cultura contemporânea fugiu da própria idéia da morte.
Como o simbolismo da cor preta evoluiu na moda masculina?
Como deixamos de usar o luto, o preto para os ocidentais passou a ser a cor da ira mais do que do desgosto. Seu uso associado aos uniformes fascistas passou a ter como carga simbólica a agressão. Foi também associada à revolta devido ao seu uso pelos anarquistas russos, porque segundo Wilson (1989: 253) o preto é uma cor dramática e faz apelo ao público de galeria como o traje de revolta deve sempre fazer.

Desde a Grécia antiga e, ainda confirmado pela cultura cristã, o preto fala da ausência de vida. Ligado à velhice, é elegante. Nos jovens, dá um aspecto assombroso e comovedor. É uma cor própria para o ambiente urbano.
O preto dândi era a cor da sobriedade burguesa. Foi subvertida, pervertida, tornou-se perigosa após a erotização pelo fascismo como uma completa filosofia da dominação, da crueldade e da irracionalidade.
- Logo após, leia História do crochê: antigas crocheteiras criaram método valioso para manterem a técnica viva ao longo dos anos
Como o dandismo influenciou a cultura boêmia americana?
Neste período os Estados Unidos também tinham sua boêmia ambientada em Greenwich Village, que era uma transplantação do submundo original dos homens de letras de Londres e Paris, um mundo de jovens jornalistas, escritores por encomenda, de artistas e desenhistas, cuja arte se dedicava ao efêmero, aos esboços e vinhetas da cena social corrente como vimos no personagem que encarna o pintor do filme Mary Poppins.
Assim, os boêmios viviam à volta da Lower Broadway, nos anos de 1850, 60 e 70; por volta de 1900, tinham chegado a Greenwich Village, que era um centro de ebulição social, política e de estilos de vida experimentais das duas primeiras décadas do século XX. Lá, a sofisticação era o padrão erguido contra tudo o que era burguês.

- Logo após, leia Morte da Rainha Elizabeth: relembre 20 looks icônicos e saiba mais sobre o estilo real
Como o dandismo influenciou a primeira cultura de juventude?
Era a primeira cultura de juventude; nela as roupas que se vestiam tinham grande papel na participação do indivíduo de um grupo dentro de um grupo maior. Na Inglaterra, artistas e escritoras, com Virgínia Woolf, criavam o “vestuário estético” e, para fugir dos chifons eduardianos, recorriam ao mercado de roupas antigas e exóticas como moda de oposição que durou até fins dos anos 50 do século XX, como estilo alternativo de Chelsea, usado pelas estudantes de belas artes. Além disso, colecionavam saias grandes, com muitas cores, sandálias franciscanas e discos de Jazz.
A autora, Queila Ferraz Monteiro é estudiosa de História da Moda, é consultora de design e gestão industrial para confecção e Professora de História da Indumentária e Tecnologia da Confecção dos cursos de moda em diversas Faculdades. Além disso, Queila também é professora de pós-graduação em Universidades como o Senac. queilamoda@yahoo.com.br.
- Por fim, leia História do chapéu: um dos acessórios mais estilosos da moda
Revisado e atualizado por Laila Lopes.
