Cabelo Black Power: um importante símbolo da luta do movimento negro. Entenda!

Sendo que a moda é crucial para a afirmação da identidade individual e de grupo, leia mais sobre o cabelo Black Power e o quê ele representa.

Está mais do que claro que o racismo foi e continua sendo um problema muito sério na nossa sociedade. Nesse sentido, o Cabelo Black Power se mantêm como um dos principais símbolos do movimento negro e da sua luta por respeito no mundo contemporâneo.

No Brasil, o racismo está muito presente, mas de uma maneira em geral dissimulada. Desse modo, ele se faz visível, por exemplo, no deboche e menosprezo quanto às características de pessoas negras, quase sempre justificados como uma brincadeira inocente.

O caso mais recente foi a polêmica no BBB 21 entre os participantes Rodolffo e João Luiz. Ao comparar a peruca de uma fantasia de “homem das cavernas” com o cabelo de João, Rodolffo acendeu um debate que se mostra urgente.

Nesse sentido, para somar à discussão, entenda com mais detalhes como o cabelo Black Power  se consolidou como um dos maiores símbolos da identidade e resistência negra no mundo.

 

 

Marsha Hunt depois da preparação do musical “Hair”, em 1968. A imagem do seu cabelo Black Power se tornou um ícone da beleza negra. Crédito: Evening Standard Stringer. Fonte: Getty Images.

 

  • Em seguida, leia também sobre o MOVIMENTO BLACK POWER e as origens históricas da luta civil contra o racismo. Aproveite e nos siga no Google News para para saber tudo sobre Moda, Beleza, Famosos, Décor e muito mais. É só clicar aqui, depois na estrelinha 🌟 lá no News.

 

Antecedentes: uma história de deboche e menosprezo

 

Mesmo após o fim oficial da escravidão nos Estados Unidos em 1865, com a publicação da 13ª Emenda à Constituição, imperou uma noção crescente de menosprezo a tudo que fizesse referência aos negros. Desse modo, o senso comum era o de que o cabelo com textura europeia era “bom” e o cabelo com textura africana era “ruim”.

Como resultado, nessa mesma altura começou a se propagar uma visão cada vez mais estereotipada de homens e mulheres negras. Em geral, eles eram representados como feios, malandros, mal vestidos e perigosos.

Portanto, as mulheres negras se sentiam pressionadas a camuflar o seu cabelo, usando perucas e tratamentos químicos para conseguir um cabelo mais liso.

 

Estereótipos

 

Capa de uma das primeiras edições da partitura da canção Jump Jim Crow, c. 1832. Fonte: Wikimedia commons.

 

Na época da escravidão, era comum que os brancos comparassem os negros com corvos (em inglês, crow). Explorando essa “brincadeira”, em 1828, Thomas Dartmouth (T. D.), o “Daddy” Rice , fez uma performance com música e dança na qual se caracterizou como um negro, pintando a sua pele de preto e vestindo-se com trapos.

O Jim Crow ou Jump Jim Crow, como a personagem ficou conhecida, fez um enorme sucesso. A música era uma sátira completa a outra canção típica entre os escravos, propagando uma imagem extremamente pejorativa dos negros.

Nas suas apresentações, Thomas atuava como se fosse um negro estúpido, que andava de maneira torpe e fazia apenas trapalhadas. O Jim Crow fez tanto sucesso que foi seguido por outras performances. Nelas os brancos também faziam o blackface , fortalecendo a visão estereotipada sobre os negros.

Por muito tempo essa imagem marcou a visão de que os negros eram inferiores e limitados quando comparados aos brancos, servindo bem ao propósito da segregação social institucionalizada que se seguiu.

Nesse sentido, como resultado da força que tinha à epoca, as leis que passaram a regulamentar a segregação racial nos EUA foram coloquialmente chamadas de Leis de Jim Crow.

 

  • Em seguida, entenda como reconhecer estereótipos racistas internacionais.
  • Fremon, David (2000). The Jim Crow Laws and Racism in American History. Enslow.

Início do Século XX

 

Madam C.J. Walker, entre 1905 e 1919. Fonte: Wikimedia commons.

 

No início dos anos 1900, Annie Malone e Madame C.J. Walker começaram a desenvolver produtos que visavam ajudar o desejo de muitas mulheres negras em ter os cabelos mais lisos.

Annie Malone vendeu o produto de tratamento “Wonderful Hair Grower” e promoveu o uso do pente quente. Embora ainda longe de ser agradável, o pente quente elétrico era uma alternativa mais suave aos métodos anteriores de alisamento aquecido.

A partir de 1905, a Madame C.J. Walker tornou-se por sua própria conta uma milionária, por meio do  seu cosmético caseiro destinado aos problemas de cabelo e couro cabeludo. O famoso “Método Walker”, que combinava um pente aquecido com pomada, fez muito sucesso.

 

 

A famosa pomada de Madam C.J. Walker’s, o “Wonderful Hair Grower”. Fonte: National Museum of African American History and Culture.

 

Em seguida, aproveite para ler:

 

Branqueadores de Pele

 

Rótulo do produto Lucky Brown Skin Lightener, onde se vê uma cara triste com a pele mais escura e uma expressão feliz com a pele mais clara. Fonte: Archives Center, National Museum of American History, Smithsonian Institution.

 

Ou seja, o orgulho da identidade negra e a valorização das características naturais da sua pele e cabelo estavam muito longe de ser uma realidade. O ideal de beleza era mesmo o cabelo liso e a pele o mais clara possível.

De fato, aqueles que tinham uma pele mais clara por conta da miscigenação eram visto como felizardos. Afinal, acabavam por ser melhor aceitos na sociedade. Portanto, conseguiam melhores trabalhos e oportunidades.

Desse modo, por conta dessa imposição social, começaram a surgir cada vez mais produtos que prometiam branquear a pele.

É difícil imaginar o quão prejudiciais deviam ser esses produtos. Entretanto, a realidade é que eles eram vistos com um avanço. Afinal, as propagandas da época mostravam uma visão negativa e pejorativa sobre as características de mulheres e homens negros. Eram, assim, extremamente preconceituosas.

 

 

Propaganda do Pears’ soap coma ilustração de uma criança negra sendo lavada e branqueada, como se a sua cor se tratasse de sujeira, 1884. Fonte: The Conversation.

 

Alisamento do Cabelo

 

 

Propaganda de um produto para alisar o cabelo, onde se lê “Ultra Sheen é o ajudante da mãe natureza”. Fonte: BGLH Marketplace.

 

Nesse sentido, o cabelo crespo continuou a ser visto como feio e “ruim”. Surgiam cada vez mais produtos que tinham como objetivo único esconder o seu formato natural, encaixando aquele que o usasse no padrão melhor aceito pela sociedade.

Assim, para além dos cosméticos, do ferro e do pente aquecido, foram lançados inúmeros tipos de perucas. Essas visavam dar uma maior praticidade para as mulheres, tendo como único fundamento esconder totalmente o cabelo natural.

Essa imposição social, que mesmo que não explícita era sentida por todas as mulheres negras à época, foi por muitas décadas uma realidade. Afinal, o movimento de valorização do cabelo crespo natural demoraria décadas para surgir.

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A quebra dessa imposição e a promoção da libertação da comunidade negra apenas foram alcançadas a partir dos movimentos civis organizados nas décadas de 60 e 70. Dentre eles, ganhou destaque o Movimento Black Power.

 

Propaganda com vários tipos de perucas, onde se lê “É fácil ter um cabelo bonito”. Fonte: Fonte: BGLH Marketplace.

 

Surgimento do Movimento Black Power

 

“Por todo o país jovens homens e mulheres negras foram infectados com uma febre de afirmação. Eles estão todos dizendo, “Nós somos negros e bonitos.” (Hoyt Fuller, 1968 – Smithsosian, National Museum of African American HIstory and Culture).

 

Jovens no “Revolutionary People’s Party Constitutional Convention”, em 1970. Crédito: David Fenton. Fonte: Getty Images.

 

Ainda que o termo Black Power se tenha popularizado na década de 60, ele tem várias origens. O primeiro registro do seu uso pode ser rastreado em 1954, quando o autor Richard Wright publicou o livro de não-ficção intitulado “Black Power”.

Acima de tudo, o Movimento Black Power enfatizava mais a autoconfiança e a autodeterminação negra do que propriamente a sua integração na sociedade branca. Ou seja, os seus defensores acreditavam que os afro-americanos deveriam assegurar os seus direitos civis, mas principalmente criar organizações políticas e culturais especificamente voltadas para eles (escolas, negócios, etc).

Ou seja, espaços próprios que atendessem a seus interesses.

 

 

Fragmento de um poster com uma imagem de Angela Davis que pedia a libertação de presos políticos em 1971. Crédito: Rupert García. Fonte: Wikimedia commons.

 

Nesse sentido, o que mais pregavam é que os negros tivessem orgulho de como eram, da sua comunidade, e que não tivessem mais que ser humilhados como até então haviam sido.

Em outras palavras, eles se concentraram em combater séculos de humilhação, demonstrando abertamente o autorrespeito e o orgulho racial, bem como celebrando as realizações culturais dos negros em todo o mundo.

Com essa finalidade, um dos seus principais fundamentos foi a valorização dos seus atributos físicos e de uma estética própria, onde se incluía com destaque a exposição livre do cabelo natural.

 

O Cabelo Black Power

 

 

Mural com um retrato de Angela Davis. Crédito: Thierry Ehrmann. Fonte: Flickr.

 

 

“Algumas pessoas dizem que nós temos muita malícia

Alguns dizem que é muito nervo

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Mas eu digo que nós não pararemos de nos mover

Até que nós consigamos tudo o que nós merecemos …

Diga em alto e bom som – Eu sou negro e eu tenho orgulho!”

(James Brown, tradção de parte da letra de “Say It Loud – I’m Black and I’m Proud,” 1968).

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Propaganda de um produto para liberar o cabelo Black Power. Fonte: BGLH Marketplace.

 

Desde entao, a frase “Black is Beautiful” ganhou força e passou a se referir a vários aspectos da cultura e identidade negras. O movimento então inspirava o orgulho cultural a partir das realizações de pessoas negras no mundo contemporâneo.

Nesse meio tempo, o Cabelo Black Power se consolidou como um dos principais símbolos da sua luta.

A partir dessa nova filosofia o movimento firmou a beleza dos penteados naturais e a variedade de cores de pele, texturas de cabelo e características físicas encontradas na comunidade afro-americana.

Como forma de valorizar a sua identidade singular, os negros americanos passaram a explorar estilos ligados à sua herança africana. Por exemplo, usar um pente em estilo afro personalizado com um punho negro foi uma forma de afirmar orgulhosamente a fidelidade política e cultural ao movimento Black Power.

 

Do lado esquerdo um pente do Gana de 1950, do direito um pente feito no mesmo estilo ornamento com um punho negro. Fonte: National Museum of African American History and Culture.

 

O cabelo Black Power e a luta por representatividade

 

“Eu penso que a importância de fazer o trabalho de ativista é precisamente porque ele permite você devolver e considerar a si mesmo não como um indivíduo sozinho que tenha alcançado o que quer que seja, mas como parte de um movimento histórico em andamento”. (Angela Davis, 1977 – Smithsosian, National Museum of African American HIstory and Culture).

 

Em outras palavras, os negros deveriam poder ter produtos e espaços que atendessem as suas necessidades particulares. Ou seja, que se adaptassem a eles, e não mais o contrário.

Além disso, antes da explosão do movimento negro a partir da década de 1960, os afro-americanos eram quase sempre registrados na mídia como artistas musicais, figuras do esporte ou em papéis estereotipados de empregados.

Desse modo, motivados e impulsionados pelo movimento cultural negro, os afro-americanos cada vez mais exigiam posições e uma imagem mais realista da sua realidade. Essa, afinal, continua sendo uma luta não concluída.

Veja aqui se quiser admirar mais imagens vintage de estilos de cabelo de mulheres e homens negros ao longo do século XX.

 

Por Mariana Boscariol.

 

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Mariana Boscariol: Mariana Boscariol é uma historiadora especialista no período moderno. Sua experiência profissional e pessoal é em essência internacional, incluindo passagens por Portugal, Espanha, Itália, Japão e o Reino Unido. Sendo por natureza inquieta e curiosa, é também atleta, motoqueira e aventureira nas horas vagas – e sempre leva um livro na bolsa!
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